Imagine se o mundo fosse contaminado por uma epidemia de sinceridade e que durante uma semana as pessoas falassem todas as pequenas verdades indizíveis que lhe viessem a cabeça? Desde coisas bestas do tipo “é, realmente tu tá muito gorda e essa roupa não cai bem” e “amiga, escova melhor os dentes porque tu tá com um bafo mortal” até verdades mais delicadas, como “brother,eu confesso que eu comi a tua namorada ano passado”, “querida sogra, tu és mesmo uma megera” ou mesmo aquela facada no coração com “amor, eu tenho uma amante gostosinha com a metade da tua idade!”.
Quantas famílias desfeitas. Quantas amizades despedaçadas. Quantas relações fragilizadas pela sinceridade!
Mas peraí. Desde pequenininho a gente aprende que é honroso ser honesto, sincero. Que a sinceridade constrói um mundo melhor e que devemos usar esta característica para com as pessoas que amamos. Que sinceridade é sinônimo de confiança e que é melhor que a mentira, ocultação e todas essas coisas.
É, mas o que esquecem de ensinar é como ser sincero, já que nem todo mundo está preparado pra ouvir uma verdade e nem pra dizer uma verdade sem precisar ferir.
A sinceridade é ambígua. Dependendo do jeito que a coisa for dita pode descair na indiscrição ou até mesmo no egoísmo. Discussões sobre o limite da sinceridade são muito delicadas. Apontar a dupla face do ato de ser sincero pode parecer uma justificativa plausível para mentir, omitir, etc. Mas atire a primeira pedra os 'poços de sinceridade' que volta e meia omitem alguma opinião pra evitar uma saia justa.
Tanto quem mente quanto quem é verdadeiro conhece o peso e as conseqüências que a falta e o excesso de sinceridade podem trazer. Carregam a verdade oculta sobre a sinceridade dentro de si. Verdade que torna a própria sinceridade contraditória.
Ah, aquelas pequenas verdades que não se contam! Seja para não criar mal estar ou não se constranger. Belo dia eu resolvi quebrar o tabu e testar o limite da sinceridade. Não era nada de espetacular, coisa pequena, mas que exigia certa coragem para ser dita. Foi no tempo de um suspiro. Tudo estava dito. Nem doeu tanto assim, a não ser pelo meu final de semana que foi por água abaixo.
Depois a burrada da sinceridade, me senti uma idiota. Mais tarde constatei: o ato de ser sincero é como uma descarga de tensão. O indivíduo joga o pepino pra cima do outro e espera que ele entenda numa boa e o ovacione pelo ato heróico de ter sido sincero. E depois da coisa dita, ainda mais quando é coisa besta, a gente vê quão desnecessário ter dito aquela verdadinha. Não estou dizendo aqui que eu sou a favor da desonestidade, olha lá. É só que pequenas verdades talvez não necessitem virar uma tragédia grega. Elas podem brotar naturalmente sem parecer ser algo extraordinário.
Quanto as grandes verdades, eu não sei. O ideal mesmo era nem por os pés em uma situação absurda de mentira. Pra tentar se limpar depois é difícil. E a verdade não vem em forma de alivio pra quem diz, como nas pequenas verdades. Dependendo do que for e como for dito, essa grande verdade pode causa muita dor ao outro, se tornando apenas um ato de egoísmo de quem foi sincero.
Seria ótimo se a sinceridade não fosse ambígua. Evitaria que a gente vivesse envolto em meias verdades e mentiras sinceras. Melhor ainda seria se as pessoas se compreendessem melhor, que não deixassem um ato, um sentimento ou uma observação se tornarem algo maiores do que suas próprias pernas para enfim compartilhar com o outro. Mas já que as coisas não são bem assim, antes que o mundo- e se o mundo um dia- for 'assolado' pela epidemia da sinceridade é bom que as pessoas aprendam a dizer a verdade da melhor maneira possível.
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