"Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade".
(Frida Kahlo)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Morangos, sempre.


Quinze anos sem Caio Fernando Abreu. Eu digo fisicamente.
Quando eu o descobri, há seis anos, ele já não estava mais presente em forma física,  mas invadiu a minha vida. E foi uma invasão abusada. De um fôlego só devorei aquele Morango Mofado que roubei da estante do meu pai. Me encontrei e me perdi.
Eram meados dos anos 2000 e eu era uma garota de 16 anos com uma vontade enorme de agarrar o mundo. E aquelas palavras eloqüentes, derramadas com cuidado no papel eram muito parecidas com o que eu sentia. Ali eu podia partilhar aquela coisa mansa, cortante e entalada na garganta.
Passado um tempo e com uma outra visão de mundo e de vida, resolvi tirar a prova dos nove. Li uma, duas, três, infinitas vezes e percebi que definitivamente as palavras de Caio são reflexos dos meus sentimentos mais íntimos. Sentimentos que tomaram novas formas, mas continuam singulares na essência.
E mais uma vez ele invade a minha vida sem aviso prévio. O seu décimo quinto aniversário póstumo me fez recordar vários momentos. Fui à um Encontro Literário em que rolou leitura dramática e interpretação de vários contos do Caio, além de uma palestra muito bacana do Ismael Machado. Lá pelas tantas, algumas pessoas da platéia começaram a contar como conheceram o gaúcho e as suas relações pessoais com a obra dele. Naquele momento a minha mente foi pra bem longe. Comecei a recordar sensações, amigos aos quais eu apresentei à obra de Caio , os livros que nunca voltaram pra minha prateleira e todas as vezes em que após ler um conto dele eu não me sentia sozinha nessa.
Mas entre todas essas lembranças, teve uma que emergiu com mais força. Era madrugada e a cena não podia ser mais peculiar. Meia luz, cigarros, espelhos, e eu lendo pausadamente “Pela passagem de uma grande dor” para uma pessoa muito especial. Aquele diálogo silencioso, que aos poucos desvendava a intimidade de cada personagem deu um tom mágico para aquele momento. As palavras transcenderam o papel,  tocando a realidade. E ali éramos todos os climas e personagens de Caio, personificados em amantes.
Acho que essa lembrança, além de me mostrar que passado seis anos, hoje eu sei qual o gosto de abraçar o mundo e a vida,  é a melhor homenagem que eu posso fazer ao Caio agora. Obrigada, Caio, por dá  poesia a minha vida.